Revista Crítica de Historia de las Relaciones Laborales y de la Política Social
ISSN versión electrónica: 2173-0822
O DILEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO EM MACBETH, DE WILLIAM SHAKESPEARE
Arnaldo SAMPAIO DE MORAES GODOY*
Resumen: Con ocasión del centenario de la muerte de William Shakespeare, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy elabora unas notas recurrentes sobre Macbeth, que hay que situar en la convergencia del Derecho con la literatura. Es la historia de un magnicidio instigado por una mujer, con el propósito decidido de la usurpación del trono. Lady Macbeth inductora del asesinato acabará suicidándose. El autor del artículo refleja también las conclusiones a las que, sobre el particular, han llegado algunos estudiosos de la literatura de Shakespeare. La tragedia es igualmente un estudio sobre la naturaleza del mal.
Palabras clave: Macbeth, William Shakespeare, Absolutismo monárquico, Derecho y Literatura, Escocia, Marjorie Carber, José Calvo González, Carlos Alberto Nunes, Claude Mourthé, Sigmund Freud.
Resum: Amb l’ocasió del centenari de la mort de William Shakespeare, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy elabora unes notes recurrents sobre Macbeth, que cal situar en la convergència del Dret amb la Literatura. És la història d'un magnicidi instigat per una dona, amb el propòsit decidit de la usurpació del tron. Lady Macbeth, inductora de l'assassinat, acabarà suïcidant-se. L'autor de l'article reflecteix també les conclusions a les quals, sobre el particular, han arribat alguns estudiosos de la literatura de Shakespeare. La tragèdia és igualment un estudi sobre la naturalesa del mal.
Paraules clau: Macbeth, William Shakespeare, Absolutisme monàrquic, Dret i Literatura, Escòcia, Marjorie Carber, José Calvo González, Carlos Alberto Nunes, Claude Mourthé, Sigmund Freud.
1. Introdução
Os 400 anos da morte de William Shakespeare (1564-1616) suscitam reflexões em torno de sua ampla obra, que alcança inúmeros temas da experiência humana. Macbeth é tragédia shakespeariana que data provavelmente de 16061. É uma peça maldita, lembrada por muitas superstições, e recorrentemente adaptada para o cinema2. No teatro, algumas representações de Macbeth foram marcadas por acidentes e apreensões. Há notícias de assassinatos ocorridos em palcos, cenários que despencaram, incêndios mal explicados3. Macbeth é um problema real no contexto das tragédias de Shakespeare, especialmente para aqueles que as representaram no palco4.
O enredo de Macbeth propicia inúmeras orientações temáticas. Tem-se oportunidade para estudo sobre os fundamentos do absolutismo monárquico inglês; afinal, Macbeth trata de um regicídio e da usurpação do trono5. É recorrente em Shakespeare a concepção de reis ilegítimos e ineficientes.
Pode-se extrair de Macbeth uma relação com instâncias de bruxaria e de magia; o rei Jaime I, sucessor da rainha Elizabeth I, e para quem a peça fora representada, foi um estudioso da magia, sobre o que escrevera um livro muito conhecido6. Jaime ao assumir o trono inglês, tinha 36 anos e era casado com uma católica dinamarquesa, mas ele próprio era um devoto protestante7.
Em Macbeth tem-se a impressão de que o fantástico (...) ocupa os espaços, fantasmas abandonam seus túmulos, um bruxuleio sobrenatural tremula sobre a fronte do condenado8. As bruxas que aparecem em Macbeth dão pistas dos interesses de Shakespeare com o sobrenatural, embora, inegavelmente, prestam-se também para agradar ao Rei Jaime I, e sua intrigante obsessão com a bruxaria9.
Há também amplo contexto para uma abordagem psicanalítica. Sigmund Freud valeu-se da trama de Macbeth para tentar explicar o que denominava de ruína do êxito10. Trata-se de patologia relativamente comum. Acomete àqueles que se angustiam e se deprimem justamente no momento em que conquistam o que tanto sonharam e pelo que tanto lutaram. É o que ocorreu com Lady Macbeth assim que soube que seu marido assassinara o rei.
Shakespeare exerceu influência muito grande na formação cultural de Freud, que frequentemente utilizou o repertório do bardo no enquadramento das formulações psicanalíticas que desenvolveu11. A tragédia também permite uma extensa reflexão sobre a culpa; talvez fora a culpa que levou Lady Macbeth ao suicídio. E a culpa também afetou Macbeth, que dela se livrou, multiplicando os atos pelos quais se sentia culpado, i.e., matando, como medida de catarse e de superação da própria insatisfação.
Macbeth ainda fomenta estudos de história do direito. Há conjunto de informações que permitem que se apreendam alguns aspectos de rituais do direito inglês do século XVI (época da peça)12 ou do direito escocês do século XI (época e local nos quais a tragédia é ambientada)13. Não se pode esquecer que houve um rei escocês chamado Macbeth14; pode haver algum elemento fático no contexto da peça. A tragédia também pode ilustrar o uso de máximas latinas15.
A peça propicia ainda alguma reflexão em tema de retórica. Lady Macbeth convenceu seu marido a matar o rei, instigando-o a agir, especialmente quando Macbeth parecia tomada por dúvidas.
Macbeth é também, e talvez principalmente, um estudo sobre a natureza do mal16. Macbeth é um personagem verdadeiro, mais entregue a seu impiedoso destino do que às exigências cênicas17. Em Macbeth encontra-se o gênio de Shakespeare em seu estado mais absoluto; e o gênio de Shakespeare se constitui, ao mesmo tempo, o desespero e o êxtase do crítico18.
O presente ensaio, a propósito de publicação relativa aos 400 anos da morte do dramaturgo inglês, vincula literatura e direito, buscando este último naquela primeira19, tendo por objetivo avaliar a obsessão de um assassino, cuja multiplicação de homicídios enseja um estado patológico de desencontro perene, que se volta contra o próprio homicida. Trata-se, assim, de uma tentativa de esboço de estudo criminológico a propósito de um homicida compulsivo.
Pretende-se indagar a propósito do livre-arbítrio em Macbeth, no sentido de se investigar se há uma dimensão objetiva que separe o dolo da culpa, ainda que admitamos que a sugestão alheia seja fortíssimo integrante da formação da vontade e do agir; uma espécie pouco qualificada de instigação.
Com tal objetivo, faz-se uma descrição dos personagens (dramatis personae), em seguida, indicam-se os temas centrais, apresenta-se um resumo da tragédia, retoma-se o enredo e, ao fim, um conjunto de digressões fecha o texto.
2. Os personagens
Macbeth é corajoso e ambicioso, tem consciência das conseqüências de seus crimes. É um usurpador sanguinário20. Inicialmente era leal ao rei, seu primo; porém, transforma-se em terrível vilão. Tem alucinações. Macbeth vai se tornar um rei caricato21. Assim, Macbeth, primo de um rei manso, justo e amado, [Duncan, que matará], mas já velho demais para liderar seu exército, é-nos apresentado como um general de denodo extraordinário, que atraiu para si toda a glória ao debelar uma rebelião e repelir a invasão de um exército estrangeiro. Nesses conflitos, mostrou muita coragem, qualidade que continua a exibir durante toda a peça em relação a todos os perigos comuns. É difícil estarmos seguros de seu comportamento costumeiro, pois na peça só o vemos em meio ao que parece ser uma relação fora do comum com sua esposa, ou então nas garras do remorso e do desespero (...)22.
Lady Macbeth parece ser má e inescrupulosa. Exerce grande poder sobre o marido. Ela não consegue prever as conseqüências de seus atos e ao longo da peça vai tomando consciência de suas atitudes. Enlouqueceu e se suicidou. Segundo Freud, em Lady Macbeth, uma natureza originalmente dócil e feminina foi levada a um ponto de concentração e de alta tensão que não pôde suportar por muito tempo (...)23.
Duncan é o idoso rei da Escócia. Bom, feliz, entusiasmado com Macbeth, jamais suspeitou da traição que o esperava. Malcom é o primeiro filho de Duncan; é o herdeiro do trono. Fugiu para a Inglaterra quando o pai foi assassinado. Formou um exército para libertar a Escócia da tirania de Macbeth.
Banquo é um general e nobre escocês; íntegro, provocou o ciúme de Macbeth. Fundador da dinastia Stuart, Banquo é ancestral de Jaime I da Inglaterra. Fleance é o filho de Banquo. Macduff é um nobre escocês, maior opositor de Macbeth, que ordenou a chacina de sua família. No fim da peça, matou Macbeth.
As três bruxas prevêem o futuro; seriam as agentes do demônio. Donalbain é o outro filho do rei Duncan. Ross é um nobre escocês que ficará ao lado de Macbeth até fugir para a Inglaterra, avisar a Macduff sobre a chacina da família.
3. Os temas centrais
Os temas centrais desta tragédia são a ambição, a luta entre o bem e o mal, a degeneração do caráter, bem como a punição do pecado. Macbeth nos mostra o preço devastador que se paga quando a ambição pelo poder é seguida de forma rude. Transformou-se de guerreiro corajoso em vilão. A tragédia também trata da certeza da punição, percepção que se encontra na estrutura moral do teatro elizabeteano.
A ambição de Macbeth foi despertada e aumentou na medida em que percebia que uma profecia feita pelas bruxas, de que seria rei, poderia ser realizada. Hesitando, porém sucumbindo à tentação, Macbeth permite-nos reflexão sobre as ambiguidades do bem e do mal.
E porque Macbeth efetivamente tornou-se mal e cruel, a partir de um caráter doce, pode-se mapear transição existencial, que ameaça a nós todos. E para os fins do presente ensaio, interessa na peça a recorrência que Macbeth usava da violência, tornando-se um assassino inescrupuloso, libertando-se do mal que cometia praticando uma outra maldade.
4. Resumo do enredo
No primeiro ato, os escoceses, liderados pelo rei Duncan, recebem a notícia de que repeliram uma invasão norueguesa. O rei foi informado que Macbeth se revelou um grande guerreiro. O rei deu a Macbeth o título de Thane (Duque) de Cawdor, justamente o título do vencido, agora reconhecido como traidor.
Em seguida Macbeth e Banquo encontraram três bruxas que fizeram uma profecia: Macbeth será Thane de Cawdor e depois rei da Escócia. Banquo não será rei, mas seus descendentes o serão. Ao saber que ganhará o título de Thane de Cawdor, Macbeth começou a acreditar na profecia das três bruxas.
Escreveu uma carta para sua mulher, Lady Macbeth, que percebeu que poderia ser rainha. O rei deu a seu filho Malcom o título de Príncipe de Cumberland. Confirmou, assim, que Malcom seria seu sucessor. Macbeth ficou enciumado. O rei visitará o castelo de Macbeth. O anfitrião e sua esposa planejam o assassinato do rei.
No segundo ato, Macbeth matou o rei, colocou a culpa nos guardas e os assassinou, simulando um ato de fúria e de fidelidade ao morto. No entanto, entrou em pânico e começou a repetir que jamais conseguiria dormir em paz. Foi o início de sua loucura. Chegou Macduff que foi até o quarto do rei e o viu morto. Gritaria geral. Os filhos do rei fugiram com medo que também fossem assassinados. A fuga fez com que muitos suspeitassem que os filhos do rei teriam assassinado ao pai.
No terceiro ato, Macbeth mandou assassinar Banquo e seu filho Fleance. Banquo foi de fato assassinado, porém Fleance conseguiu fugir. Macbeth deu um jantar. Teve alucinações; viu Banquo e começou a gritar. Lady Macbeth pediu desculpas aos convivas. Macduff fugiu para a Inglaterra.
No quarto ato, Macbeth se aconselhou com as bruxas. Estas o revelaram que ele não será derrotado por nenhum homem que tenha saído de uma mulher. E que não será derrotado, a menos que as árvores da floresta de Birname atingissem seu palácio. Ultrajado com a fuga de Macduff, Macbeth ordenou que se matasse toda a família do foragido.
No final da peça, Lady Macbeth enlouqueceu e se suicidou. Malcom, Macduff e os ingleses invadiram a Escócia, acompanhados de um grande exército. Os soldados ingleses chegaram ao castelo carregando galhos da floresta de Birname. Cumpriu-se a profecia. Macduff matou Macbeth. É que nasceu de uma operação cesariana, portanto não se poderia dizer que nasceu diretamente de uma mulher. O trono foi dado a Malcom. De qualquer modo, o bem triunfou.
5. Detalhamento do enredo
A peça se inicia tendo como cenário algum lugar do deserto. Há trovões e relâmpagos. Aparecem as três bruxas, que dizem que encontrarão Macbeth24. Na segunda cena, que se passa no campo, entra o rei Duncan, seus filhos e um séquito que os acompanha. Encontram um soldado ferido. O rei Duncan perguntou quem seria aquele indivíduo ensanguentado.
Malcom disse que o ferido era um bom e intrépido soldado, que o havia livrado do cativeiro que caíra durante a guerra contra os noruegueses. Depois de elogiar ao soldado ferido, Malcom pediu que ele relatasse as últimas notícias da guerra que travavam com os noruegueses. O ferido falou da bravura de Macbeth, elogiando-o como bravo soldado, e que,
(...) de aço em punho, a fumegar da execução sangrenta, tal como o favorito da bravura, soube um caminho abrir até postar-se bem na frente do escravo, não lhe tendo apertado a mão nem dito nenhum adeus, enquanto de alto a baixo não o descoseu e em nossos parapeitos pendurou-lhe a cabeça25.
O rei elogiou Macbeth, chamando-o de bravo primo (...) digno gentil-homem26. Impressionado com o relato do soldado ferido, o rei ordenou que buscassem um cirurgião27. Aproximou-se Ross que contou ao rei que os invasores noruegueses foram auxiliados pelo Thane de Cawdor, a quem chamou de traidor desleal e pérfido28; noticiou, por fim, que os escoceses venceram, ao que o rei reputou como uma grande felicidade29;em seguida, anunciou que o título do Thane de Cawdor seria oferecido a Macbeth, notícia que seria dada pelo próprio Ross, que aceitou o encargo.
Na cena seguinte as três bruxas continuam animada conversa. Mostram ingredientes de uma misteriosa poção que preparavam; entre eles, o dedo de um marinheiro que naufragou no roteiro30. Aproximou-se Macbeth, que as três bruxas saudaram como Macbeth, o vencedor31. Durante a peça, Macbeth tornar-se-á cada vez mais dependente das bruxas32.
Chegaram Macbeth e Banquo. Macbeth principiou o diálogo com uma frase recorrentemente citada: Nunca vi dia assim, tão feio e belo33. Banquo estranhou as bruxas, perguntando quem eram, indagando
(...) essas criaturas tão mirradas e de vestes selvagens, que habitantes não parecem da terra e, no entretanto, nela se movem? ¿Acaso tendes vida? ¿Sois algo a que preguntas dirijamos? Pareceis compreender-me, pois a um tempo levais os dedos ósseos a esses lábios encarquilhados. Quase vos tomara por mulheres; no entanto vossas barbas não me permitem dar-vos esse nome34.
Macbeth também pediu que elas respondessem. As bruxas saudaram então Macbeth, anunciando uma profecia. Além de futuro Thane de Cawdor disseram que Mabeth se tornaria também rei35. E quanto a Banquo, as bruxas falaram que ele
será menor do que Macbeth, porém maior!; Não tão feliz, mas muito mais feliz! Gerarás reis, embora rei não sejas! Assim, viva Macbeth e viva Banquo! Viva Banquo e Macbeth! A todos, viva!36
Macbeth não acreditou que receberia o título de Thane de Cawdor. As bruxas desapareceram. Banquo ficou intrigado e perguntou a Macbeth para onde teriam sumido. Macbeth e Banquo trocaram poucas palavras. Macbeth indagou a Banquo que os filhos deste seriam reis, segundo a profecia das bruxas, e Banquo observou a Macbeth que este se tornaria rei37. Confusos e perplexos continuaram o caminho.
Aproximou-se Ross que anunciou a Macbeth que este era o novo Thane de Cawdor. Banquo observou então que as bruxas teriam dito a verdade. Macbeth se recusou a acreditar, porquanto tinha por certo que o Thane de Cawdor ainda estaria vivo. Explicam a Macbeth que o Thane de Cawdor seria executado. Macbeth ficou intrigado e prostrou-se absorto em seus pensamentos38.
O rei Duncan perguntou sobre a execução do Thane de Cawdor, que reputava como um traidor. Observou que não existe arte que ensine a ler no rosto as feições da alma39. E ainda, que o traidor era um fidalgo em quem depositava absoluta confiança40. Aproximou-se Macbeth a quem o rei Duncan saudou como digno primo, e a quem confirmou que iria recompensar pela bravura e pela lealdade.
Macbeth reafirmou lealdade. Em seguida, o rei Duncan anunciou que seu filho mais velho, Malcom, seria o príncipe de Cumberlândia, o que significava que iria sucedê-lo. Macbeth, em monólogo, revelou inveja, e se mostrou irritado e desapontado com a indicação de que Malcom iria suceder ao rei Duncan41.
Na cena seguinte Lady Macbeth está lendo uma carta que Macbeth a enviou e na qual conta a profecia das bruxas, anunciando que poderá ser rei: Elas me encontraram no dia da vitória e pude verificar, pela mais exata confirmação, que são dotadas de saber mais do que humano. Quando eu ardia em desejos de continuar a interrogá-las, desfizeram-se em ar, no qual se dissiparam. Enquanto eu me encontrava tomado de estupor com o que acontecera, chegaram mensageiros do rei, que me cumprimentaram a uma voz como "Thane de Cawdor", título com que, antes, me haviam saudado as irmãs feiticeiras, referindo-se ao meu futuro por este modo: "Salve! Ainda virás a ser rei!". Pareceu-me bem comunicar-te o que se passou, companheira querida de minha grandeza, para que não viesses a perder a parte que te cabe dessa felicidade, com ignorares o futuro que te está prometido. Guarda isto no coração e adeus42.
Lady Macbeth se alegrou com as notícias. Em sua ambição desmedida começou a conjecturar a forma como atuaria para que o vaticínio das bruxas se realizasse. Um mensageiro anunciou que o rei passaria a noite no palácio. Chegou Macbeth. O encontro foi cheio de ternura. Lady Macbeth começou a persuadir o marido no sentido de que este assassinasse o rei43. O rei Duncan chegou ao castelo, elogiando o lugar:
É bela a posição deste castelo. O ar afaga os sentidos delicados por maneira agradável e serena. Os hóspedes do estio, as andorinhas, dos templos familiares, bem demonstram com seus ninhos mimosos que o celeste hálito aqui cativa com o perfume. Não há sacada, friso, arcobotante, ou favorável canto em que esses pássaros não suspendam seu leito e o berço fértil. Onde eles gostam de viver, notei-o, o ar é mui delicado44.
Aproximou-se Lady Macbeth que saudou o rei. Este se mostrou feliz em estar em local tão amistoso. O rei Duncan enalteceu Macbeth45.
Na cena seguinte Macbeth refletia sobre os planos que tinha. Ainda estava em dúvida, porém começava a justificar para si o ato cruel que tinha em mente:
Se feito fosse quanto fosse feito, seria bom fazermo-lo de pronto. Se o assassínio enredasse as consequências e alcançasse, com o fim, êxito pleno; se este golpe aqui fosse tudo, e tudo terminasse aqui em baixo, aqui somente, neste banco de areia da existência, a vida de após morte arriscaríamos. Mas é aqui mesmo nosso julgamento em semelhantes casos; só fazemos ensinar as sentenças sanguinárias que, uma vez aprendidas, em tormento se viram do inventor. Essa justiça serena e equilibrada a nossos lábios apresenta o conteúdo envenenado da taça que nós mesmos preparáramos. Ele está aqui sob dupla salvaguarda. De início, sou parente dele e súdito, duas razões de força contra esse ato; depois, sou o hospedeiro, que devera fechar a porta a seus assaltadores, não levantar contra ele minha faca. Esse Duncan, por fim, tem revelado tão brandas qualidades de regente, seu alto ofício tem exercitado por maneira tão pura que suas claras virtudes hão de reclamar, sem dúvida, contra o crime infernal de sua morte. E a piedade, tal como um recém-nado despido, cavalgando a tempestade, ou querubim celeste que montasse nos corcéis invisíveis das rajadas, há de atirar esse ato inominável contra os olhos de todas as pessoas, até que o vento as lágrimas afoguem. Esporas não possuo, para os flancos picar do meu projeto, mas somente a empolada ambição que, ultrapassando no salto a sela, vai cair sobre outrem46.
Aproximou-se Lady Macbeth que insistia com o marido no ato sinistro. Este tinha medo. Sussurrou: e se falharmos...47 Impetuosa, Lady Macbeth respondeu:
Falharmos? Bastará aparafusardes vossa coragem até o ponto máximo, para que não falhemos. Quando Duncan se puser a dormir - e a rude viagem de hoje o convidará para isso mesmo - ambos os camareiros de tal modo dominarei com vinho, que a memória, essa guarda do cérebro, fumaça tão-somente será e o receptáculo da razão, alambique. E quando os corpos nesse sono de porco se encontrarem, como se mortos fossem, ¿que de coisas não faremos em Duncan indefeso, que culpas não imputaremos a esses servidores-esponjas, porque fiquem responsáveis por nosso grande crime?
Macbeth se disse convencido, afirmando-se preparado, e observando que deixava tensos todos os nervos para o ato horrível que praticaria. Em seguida Macbeth teve a ilusão de ver um punhal; é quando então tomou a decisão:
Será um punhal que vejo em minha frente com o cabo a oferecer-se-me? Peguemo-lo. Não te apanhei ainda; no entretanto, vejo-te sempre. Não serás sensível, visão funesta, ao tato como à vista? Ou de um punhal não passas, simplesmente, do pensamento, uma criação fictícia, procedente do cérebro escaldante? Percebo-te, no entanto, e tão palpável como este que ora empunho. Mostras-me a estrada que seguir eu devo e o instrumento que a usar serei forçado. Se meus olhos joguete não se mostram de meus outros sentidos, sobrepujam todos eles. Ainda te percebo, manchado o cabo e a lâmina de gotas de sangue que antes não estava neles. Não existe tal coisa; é o sanguinário projeto que a meus olhos toma forma. Em metade do mundo, neste instante, parece estar sem vida a natureza; os sonhos maus iludem sob as pálpebras o sono bem velado; feiticeiras o rito exercem singular da pálida Hécate; o esquálido assassino, posto de alerta pela sua sentinela, o lobo, cujo uivar lhe serve de horas, com passo de ladrão e o andar furtivo de Tarquínio, da meta se aproxima, tal qual fantasma. Ó terra forte e sólida, não ouças o barulho de meus passos, seja qual for a direção que tomem, porque as próprias pedrinhas não propalem para onde eu vou e dissipar não façam o horror desta hora que tão bem lhe fica. Eu ameaço; ele vive; congelada pelo meu sopro a ação se torna em nada. (O sino soa.) Já vou; está feito. O sino me convida. Duncan, não ouças; é um chamado eterno que para o céu te leva ou para o inferno48.
Macbeth delirou com a possibilidade de assassinar ao rei Duncan. Admitiu que jamais conseguiria dormir. Estava tomado pelo pavor. Cumpriu seu intento. Ao ouvir batidas na porta suplicou que o barulho pudesse acordar ao rei, que já está morto49.
Chegaram alguns nobres que entraram no quarto no qual dormia o rei. Gritaram que ouve traição e morte, e que o rei fora assassinado. Desconfiaram dos camareiros do rei, guardas do quarto, que Macbeth se apressou em matar, justificando que assim o fizera por amor e fidelidade ao rei Duncan:
Quem sábio pode ser e estupefato, moderado e furioso, leal e neutro na mesma hora? Ninguém. A diligência do meu amor violento deixou longe a razão vagarosa. Neste ponto se achava Duncan, com sua cute branca acairelada pelo sangue de ouro; as feridas abertas pareciam brechas da natureza, adrede feitas para a entrada da ruína devastadora; além, os assassinos, embebidos da cor da profissão, monstruosamente recobertas de sangue as próprias armas... Quem poderia reprimir-se, tendo coração para amar e, nele, o brio de tornar conhecidos seus pendores?50
Lady Macbeth simulou um desmaio e foi levada para fora do recinto. Os irmãos ‒príncipes herdeiros‒ decidiram fugir: Malcom foi para a Inglaterra e Donalbain para a Irlanda51. Como já dito, a fuga dos irmãos lançou sobre eles a suspeita de quem eram os mandantes do crime.
Assim, após constatar situações inusitadas (como a reação dos cavalos do rei Duncan, que se atacaram) Macduff acreditou que Malcom e Donalbain verdadeiramente seriam os mandantes do crime, e que os camareiros do rei, que Macbeth matara, seriam os criminosos. Ross reconheceu que Macbeth seria rei, ao que Macduff acrescentou que Macbeth já fora proclamado rei e que seria coroado52.
Banquo encontrou-se com Macbeth e lembrou que as profecias das bruxas foram cumpridas. Macbeth e sua esposa dariam uma ceia, comemorando a coroação. Banquo foi convidado para a festa, garantiu que lá estaria, porém lembrou que faria um passeio pela tarde, na companhia de seu filho Fleance. Macbeth, no entanto, acreditava que deveria se livrar de Banquo, o que seria condição para que ele se mantivesse no poder com segurança. Refletiu:
Ser rei assim, é nada; é necessário sê-lo com segurança. É muito grande nosso medo de Banquo; em sua postura soberana domina qualquer coisa que deve ser temido. E corajoso como poucos e à têmpera indomável do espírito une uma sabedoria que faz o valor no alvo acertar sempre. Tirante ele, não há pessoa alguma de quem eu tenha medo, e junto dele meu gênio se intimida, como dizem que com o de Marco Antônio acontecia, quando junto de César. Dirigiu-se corajoso às irmãs, interpelando-as quando o nome de rei elas me deram, forçando-as a falar-lhe a seu respeito, ao que elas, quais videntes, o saudaram como pai de uma série de monarcas. Na cabeça puseram-me a coroa sem frutos e nas mãos o cetro estéril, para que mo arrebate um punho estranho, pois para herdeiro nenhum filho tenho. Se for assim, para a posteridade de Banquo, tão-somente, sujei a alma; matei para eles o gracioso Duncan; por causa deles ódio pus no vaso da minha paz, havendo entregue a minha jóia eterna ao comum imigo do homem, para fazê-los reis, para dos filhos de Banquo fazer reis! Antes que venha isso a se dar, que à liça baixe o fado, para o combate eterno53.
Decidido a eliminar Banquo, Macbeth combinou com dois homens o assassinato do agora rival, convencendo-os de que Banquo era mau e precisava ser eliminado54. Macbeth mandou matar também Fleance, o filho de Banquo. Macbeth contou a sua esposa que ordenara o assassinato de Banquo. Lady Macbeth começou a ficar transtornada com a seqüência dos fatos. Pediu que Macbeth a explicasse exatamente o que deveria ser feito. Macbeth pediu que ela se acalmasse:
Não macules tua inocência com saberes isso, minha pombinha, até saudares o ato. Vem, noite cega, tapa os olhos ternos do dia compassivo, e com sangrentas mãos e invisíveis rasga o grande pacto que me deixa tão pálido! Escurece; para a mata sombria voa a gralha. Vacila o claro agente, de fraqueza; mas a noite se atira para a presa. Admiras-te; mas fica sossegada, que o mal reforça a ação mal55.
Banquo foi assassinado na floresta; seu filho conseguiu fugir56. Chegou a hora da grande ceia. Macbeth pediu que os convivas tomassem seus lugares às mesas. O banquete seria servido. Os nobres lá reunidos agradeceram ao convite. Os assassinos apareceram e chamaram Macbeth. Contaram que mataram Banquo, mas que Fleance fugira. Revelando uma malignidade em cada momento mais acentuada, Macbeth agradeceu aos assassinos e observou:
A velha serpe já se encontra vencida; o vermezinho que conseguiu fugir tem natureza para mais tarde produzir veneno, mas carece de dentes por enquanto. Vai-te logo; amanhã conversaremos57.
Ao se sentar, Macbeth lembrou falsamente que sentia falta de Banquo, e que o jantar contaria com todas as pessoas honradas da Nação se Banquo lá estivesse. Porém, começou a ter alucinações: viu Banquo entre os convivas, ensangüentado. Abalado, em desespero, chamou a atenção de todos os convidados. Lady Macbeth tentou contornar a situação, dizendo a todos que o rei estaria passando mal, o que seria algo passageiro:
Ficai, amigos; meu marido é assim mesmo desde criança. Sentai-vos, por obséquio; o acesso passa. Se atenção lhe prestardes, insistente, podereis ofendê-lo, contribuindo para agravar o mal. Comei, portanto, sem olhardes para ele. ‒ Não sois homem?58.
Macbeth perdeu o controle da situação. Discutiu com a esposa e afirmou que via Banquo entre os convivas, como se vivo o morto ainda estivesse. Macbeth gritou com o fantasma:
Fora, fora de minha vista! Esconda-te a terra! Os ossos tens sem vida alguma; enregelado o sangue. Não tens vista nesses olhos que tanto resplandecem59.
Lady Macbeth tentava amenizar a situação, insistindo que a alucinação de seu marido não era habitual; e que tudo se tratava apenas de um incidente que estragava a festa daquela noite; pediu que os convidados se retirassem60.
Macbeth encontrou-se novamente com as bruxas. Pediu conselhos. As bruxas avisaram que Macbeth deveria tomar cuidado com Macduff. As bruxas fizeram também uma segunda profecia; disseram que ninguém nascido de mulher poderia, em nenhum tempo, fazer mal a Macbeth61. Macbeth foi informado que Macduff fugira para a Inglaterra. Macbeth decidiu matar a esposa e os filhos do fugitivo, que ficaram na Escócia:
Ó tempo! antecipaste-te a meus atos assustadores! Nunca alcançaremos a intenção fugitiva, se com ela não fizemos seguir o ato expedito. Doravante ser-me-ão os primogênitos do coração também os primogênitos do braço. E agora mesmo, porque fiquem coroadas as ações com os pensamentos, em prática ponhamos essa idéia. Vou surpreender o burgo de Macduff, de Fife apoderar-me, sua esposa passar à espada, os filhos e, assim, todas as almas desgraçadas de sua raça. Ameaças não farei qual um demente; dobra-se o ferro enquanto ele está quente. Basta de aparições. É os tais senhores, onde se encontram? Conduzi-me a eles62.
Ross foi até o castelo de Macduff onde conversou com a esposa do fugitivo. Esta última reclamou da atitude do marido. Ross havia dito que Macduff agira com prudência, contra o que reclamou Lady Macduff:
Prudência? Abandonar a esposa e os filhos, a casa, as dignidades, numa parte de onde ele mesmo foge? Não nos ama; não possui coração. A carricinha ‒ dos passarinhos o de menor porte ‒ em defesa da prole no seu ninho briga com a coruja. O medo é tudo, nada o amor, e a prudência é coisa alguma numa fuga assim fora de propósito63.
Lady Macduff discutiu também com seu filho, argumentando que a fuga do pai fora uma traição. Não queria fugir; não acreditava que pudesse ter feito algo de errado, e também não admitia que algo de ruim pudesse lhe acontecer. Ross saiu do castelo de Macduff; deixou a porta aberta para os emissários de Macbeth. Estes assassinaram a Lady Macduff e a seus filhos64.
Na Inglaterra discutiam Malcom e Macduff. Preparavam uma invasão à Escócia e conversavam sobre a vingança. Aproximou-se Ross, que também deixara a Escócia. Ross contou a Macduff que Macbeth ordenara o assassinato de Lady Macduff e de seus filhos, e que a ordem fora cumprida. Irado, Macduff chorou a morte de seus pequenos filhos. Lembrou que Macbeth não tinha filhos. E anunciou a Ross que um grande exército preparava-se para invadir a Escócia. Os filhos do rei Duncan contavam com apoio da Inglaterra65.
No castelo de Macbeth a rainha recebeu os cuidados de um médico e de uma camareira. Lady Macbeth então teve alucinações. Um sentimento de culpa muito grande tomou conta de seu comportamento. Ela via sangue nas próprias mãos. Disse que tinha uma mancha de sangue amaldiçoada no próprio corpo. Sabia do assassinato da família de Macduff. Não se conformava com as últimas atitudes do marido. Eles já não falavam a mesma língua. O médico observou que Lady Macbeth bem mais precisava de um clérigo do que de um doutor...66
As forças inglesas aproximavam-se da Escócia67. Macbeth lembrou-se de outra profecia das bruxas, o que lhe dava sensação de confiança. As bruxas haviam vaticinado que Macbeth não seria derrotado enquanto que a mata de Birmame não chegasse a Dunsinane. Porém Macbeth não sabia que os invasores cortaram árvores em Birmame com o objetivo de as carregarem e se disfarçarem, e que subiam a montanha, aproximando-se de Dunsinane, onde se localizava o castelo de Macbeth. De fato, a mata de Birmame chegaria a Dunsinane... Cumpriu-se a profecia, de qualquer maneira.
Aproximou-se o momento da batalha. Macbeth pediu que seu criado lhe trouxesse a armadura. Reconheceu que não havia nenhum remédio para seu cérebro doente, que precisava tirar uma tristeza que tinha enraizada na memória, que tinha dores na alma, e que necessitava de algum antídoto de oblívio doce e agradável; porém, como não havia tal remédio, pediu que o médico atirasse aos cães a medicina, porque da medicina não queria saber68.
Enquanto Macbeth organizava a defesa de seu castelo, ouviu-se um grito de mulher. Era o grito de Lady Macbeth, que se suicidara, atirando-se do alto do castelo. A reação de Macbeth se confere num dos monólogos mais conhecidos de William Shakespeare, no qual Macbeth lamentava a falta de sentido que há na vida:
Devia ter morrido mais tarde; então, houvera ocasião certa para tal palavra. O amanhã, o amanhã. Outro amanhã, dia a dia se escoam de mansinho, até que chegue, alfim, a última sílaba do livro da memória. Nossos ontens para os tolos a estrada deixam clara da empoeirada morte. Fora! apaga-te, candeia transitória! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre cômico que se empavona e agita por uma hora no palco, sem que seja, após, ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muita barulheira, que nada significa69.
O mensageiro anunciou também a vinda dos invasores. Contou que viu a floresta se movimentar (certamente enxergava o disfarce dos inimigos). Macbeth irritou-se. Cheio de cólera preparou-se para o combate.70
Destemidamente atacou a todos os invasores. Lembrou da profecia das bruxas, que lhe avisaram que ele não seria vencido por nenhum homem nascido de mulher. Madduff se aproximou, e se dirigiu a Macbeth:
Deste lado é o barulho. Mostra o rosto, tirano! Se não cais por minha espada, perseguido serei eternamente pelo fantasma de minha esposa e pelos de meus filhinhos caros. Impossível me será atacar esses coitados que trazem armas só pelo salário. Ou te encontro, Macbeth, ou na bainha reponho a espada, intacta e sem trabalho. Deves estar ali. Aquele estrépito quer anunciar alguém de grande fama. Faze que o encontre, ó Fado! Mais não peço71.
Macbeth e Macduff discutiram. Macbeth disse que não seria vencido por nenhum homem nascido de corpo de mulher. Macduff lhe respondeu que tal profecia não lhe atingiria; nascera antes do tempo, de uma operação cesariana:
Perde a confiança em tal encantamento, e que o mau anjo a que serviste até hoje te declare que do ventre materno foi Macduff tirado antes do tempo72.
E também com ódio é que respondeu Macbeth.
Maldita seja a língua que diz isso, pois com medo deixou a melhor parte de minha intrepidez, e que não sejam cridos jamais esses demônios falsos que nos enganam com palavras dobres e sustenta a promessa feita a nossos ouvidos, sem que a nossas esperanças intacta a deixem nunca. Não pretendo cruzar armas contigo73.
Macduff pediu que Macbeth se entregasse; o chamou de covarde, e disse que o vilão vivia para se tornar espetáculo e assombro do universo; e que o retrato de Macbeth seria colocado num mastro, sob uma inscrição: eis o tirano!74 Macbeth se recusou a se render:
Não me rendo; beijar não hei de a terra diante dos pés do juvenil Malcolm, nem de isca servirei para a canalha. Embora Birnam viesse a Dunsinane e tu, que me resistes, não tivesses nascido de mulher, vou tentar o último recurso. Ponho assim, em frente ao corpo, meu escudo guerreiro. Vem, Macduff! E que por todos seja amaldiçoado quem primeiro gritar: "Estou cansado!"75
Macduff enfrentou Macbeth em violenta luta. Vencedor, Macduff cortou a cabeça de Macbeth. Olha para Malcom, a quem saudou como novo rei:
Salve, rei! pois que o és. Olha onde se acha a cabeça maldita do tirano. O mundo já está livre. Ora te vejo cercado pelas jóias de teu reino, que saudação te enviam do imo peito e a cujas vozes associo a minha: sê feliz, Rei da Escócia!76
Fanfarras celebraram a vitória de Macduff, o destronamento de Macbeth e a comoção que a todos causava o fato de que Malcom seria o novo rei. A coroa era do rei Duncan, pai de Malcom, e fora usurpada por Macbeth. Malcom discursou, lembrando a todos que a tirania fora ao final vencida:
Não deixaremos que se passe o tempo sem que com vosso amor justemos contas e, assim, fiquemos quites com vós todos. Meu thanes e parentes, sede condes de hoje em diante, os primeiros que na Escócia tal título recebem. Quanto resta para fazer e que será plantado, segundo as próprias condições do tempo: como o repatriamento dos amigos que para longe foram, porque às malhas fugissem da astuciosa tirania; o julgamento dos cruéis ministros do carniceiro morto e sua esposa tão infernal quanto ele e que, segundo consta, pôs termo à vida com violência, por suas próprias mãos: tudo isso e quanto mais ainda for preciso, pela graça da Graça a cabo havemos de levar na medida do tempo e do lugar77.
A peça se encerra com o triunfo do bem sobre o mal, do titular da coroa sobre o usurpador, do honesto sobre o ambicioso. E nos revela um assassino cruel, um homicida compulsivo. Culpado?
Conclusões
A tipologia que marca Macbeth é comum nas constatações criminológicas. Basicamente, tem-se um indivíduo cuja propensão para matar é latente e o qual se encontra apto para agir. A chance acelera o processo, ainda que num primeiro momento o futuro criminoso resista. O indivíduo hesita, pretende mudar de ideia, porém se deixa convencer por quem reconhece como uma pessoa próxima, em quem deposita muita confiança.
Age. Mas não se aceita. Arrepende-se. Deixa-se tomar pelo remorso. Assusta-se. Tem alucinações. Porém, como condição de sobrevivência deve matar novamente. E o faz. O instinto de Eros sublima a tendência de Tânatos, a paixão pela vida suplanta a curiosidade para com a morte, nos termos de uma formulação aparentemente freudiana.
E a cada novo assassinato, com o qual procura encobrir um homicídio anterior, o criminoso se perpétua como tal. Perde a razão. Torna-se refém de um passado do qual não se livra. Seu fim é a vingança alheia, a quem tanto sofrimento causou.
É este o roteiro existencial de Macbeth. Metaforicamente vencido por Nêmesis, a deusa da vingança, Macbeth jamais conheceu a face de Têmis, a personificação da justiça, da qual era a deusa, e que jamais conheceu.
E porque Macbeth agiu influenciado pela profecia das bruxas, resta saber se o livre arbítrio poderia ser razão suficiente para separar o dolo da culpa. Ou se com dolo agiu, simplesmente, porque às bruxas ouviu...
Bibliografia
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Recibido el 20 de marzo de 2016. Aceptado el 14 de abril de 2016
NOTAS
1 Utilizo a tradução de Carlos Alberto Nunes em William Shakespeare, Tragédias: teatro completo, Rio de Janeiro: Agir, 2008.
2 Entre as várias adaptações para o cinema, conferir a versão de Orson Welles, de 1948, em preto e branco, com as participações de Jeanette Nolan e Roddy McDowall, bem como a versão de Roman Polansky, de 1971, com Jon Finch no papel de Macbeth e Francesca Annis no papel de Lady Macbeth.
3 Cf. Marjorie Carber, Shakespeare after all, New York: Anchor Books, 2004, p. 695.
4 Cf. Harold Bloom, Shakespeare ‒ the invention of the human, New York: Riverhead Books, 1999, p. 516.
5 Peter C. Herman, Macbeth: Absolutism, the Ancient Constitution, and the Aporia of Politics, in Constance Jordan e Karen Cunningham, The Law in Shakespeare, New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 208.
6 Majorie Carber, cit., p. 697.
7 Bill Bryson, Shakespeare ã ‒ a vida é um palco: uma biografia, São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 132. Tradução de José Rubens Siqueira.
8 A. C. Bradley, A Tragédia shakespeariana, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 255. Tradução de John Russell Brown.
9 Cf. Claude Mourthé, Shakespeare, Porto Alegre: L & PM, 2010, p. 164. Tradução de Paulo Neves.
10 Cf. Sigmund Freud, Os Arruinados pelo êxito, in Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1999, Volume XIV, pp. 331 e ss. Tradução sob direção de Jayme Salomão.
11 Cf. Clara Helena Portella Nunes, Shakespeare na formação cultural de Freud, in Perestello, Marialzira (org.), A Formação cultural de Freud, Rio de Janeiro: Imago, 1996, pp. 175 e ss.
12 Cf. Cushman Kellog Davis, The Law in Shakespeare, fac-símile de St. Paul: West Publishing, 1884.
13 Dunbar Planket Barton, Shakespeare and the Law, New Jersey: The Lawbook Exchange, 1999.
14 Cf. Charles Nichol, The Lodger -Shakespeare- his life on Silver Street, New York: Viking, 2008, p. 82.
15 Cf. Dunbar Planket Barton, Links between Shakespeare and the Law, de uma edição facsímile, London: Faber & Gwyer, 1929, p. 125.
16 Cf. Barbara Heliodora, Reflexões shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004, pp. 159 e ss.
17 Jorge Luís Borges, Prólogos, com um prólogo de prólogos, São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 193. Tradução de Josely Vianna Baptista.
18 Harold Bloom, Gênio ‒ os 100 autores mais criativos da história da literatura, Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 44. Tradução de José Roberto O’Shea.
19 Para problemas de metodologia em direito e literatura conferir: James Boyd White, When words lose their meaning – Constitutions and reconstitutions of language, character, and community, Chicago: University of Chicago Press, 1995; James Boyd White, The Legal Imagination, Chicago: University of Chicago Press, 1995; James Boyd White, Heracle’s bow: essays on the rhetorica and poetics of Law, Madison: The University of Wisconsin Press, 1985; José Calvo, La Justicia como relato. Ensayo de una semionarrativa sobre los jueces, Málaga: Editorial Ágora, 2002; José Calvo, Derecho y narración. Materiales para una teoría y crítica narrativista del Derecho, Barcelona: Editorial Ariel, 1996; Guyora Binder e Robert Wreisberg, Literary Criticisms of Law, New Jersey: Princeton University Press, 2000; Bruce L. Rockwood, Law and Literature. Perspectives, New York: Peter Lang, 1998; Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, Direito e Literatura. Ensaio de síntese teórica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
20 Cf. Paul Honan, Shakespeare, uma vida, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 399. Tradução de Sonia Moreira.
21 Cf. Marjorie Carber, cit., loc. cit.
22 Cf. A. C. Bradley, cit., p. 268.
23 Cf. Sigmund Freud, cit., p. 335.
24 Macbeth, Ato I, Cena I.
25 Macbeth, Ato I, Cena II.
26 Macbeth, Ato I, Cena II.
27 Macbeth, Ato I, Cena II.
28 Macbeth, Ato I, Cena II.
29 Macbeth, Ato I, Cena II.
30 Macbeth, Ato I, Cena III.
31 Macbeth, Ato I, Cena III.
32 Cf. Ian Ward, Shakespeare and the legal imagination, London: Butterwords, 1999, p. 165.
33 Macbeth, Ato I, Cena III.
34 Macbeth, Ato I, Cena III.
35 Macbeth, Ato I, Cena III.
36 Macbeth, Ato I, Cena III.
37 Macbeth, Ato I, Cena III.
38 Macbeth, Ato I, Cena III.
39 Macbeth, Ato I, Cena IV.
40 Macbeth, Ato I, Cena IV.
41 Macbeth, Ato I, Cena IV.
42 Macbeth, Ato I, Cena V.
43 Macbeth, Ato I, Cena V.
44 Macbeth, Ato I, Cena VI.
45 Macbeth, Ato I, Cena VI.
46 Macbeth, Ato I, Cena VII.
47 Macbeth, Ato I, Cena VII.
48 Macbeth, Ato II, Cena I.
49 Macbeth, Ato II, Cena II.
50 Macbeth, Ato II, Cena III.
51 Macbeth, Ato II, Cena III.
52 Macbeth, Ato II, Cena IV.
53 Macbeth, Ato III, Cena I.
54 Macbeth, Ato III, Cena I.
55 Macbeth, Ato III, Cena II.
56 Macbeth, Ato III, Cena III.
57 Macbeth, Ato III, Cena IV.
58 Macbeth, Ato III, Cena IV.
59 Macbeth, Ato III, Cena IV.
60 Macbeth, Ato III, Cena IV.
61 Macbeth, Ato IV, Cena I.
62 Macbeth, Ato IV, Cena I.
63 Macbeth, Ato IV, Cena II.
64 Macbeth, Ato IV, Cena II.
65 Macbeth, Ato IV, Cena III.
66 Macbeth, Ato V, Cena I.
67 Macbeth, Ato V, Cena II.
68 Macbeth, Ato V, Cena III.
69 Macbeth, Ato V, Cena V.
70 Macbeth, Ato V, Cena V.
71 Macbeth, Ato V, Cena VII.
72 Macbeth, Ato V, Cena VII.
73 Macbeth, Ato V, Cena VII.
74 Macbeth, Ato V, Cena VII.
75 Macbeth, Ato V, Cena VII.
76 Macbeth, Ato V, Cena VII.
77 Macbeth, Ato V, Cena VII.
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